O país desabando
Antonio Prata
Um edifício irregular, num bairro irregular, numa cidade irregular, num estado irregular, num país irregular, desabou. Quando o delinquente Ricardo Salles fala em “passar a boiada”, em desregulamentar, ele está simplesmente aplicando à Amazônia os métodos da milícia em Rio das Pedras. A gente sabe como termina: em escombros, fogo e morte.
Rio das Pedras, o berço das milícias cariocas, do Escritório do Crime, dos assassinos da Marielle, é também curral eleitoral da família Bolsonaro. Local de grande influência do Fabrício Queiroz, capataz do presidente e babá de seus filhos. O MP-RJ tem gravação do Queiroz falando com a mulher sobre ajudar os milicianos do bairro. E isso deve ser só a ponta do iceberg.
Deus do céu, precisa de CPI?! Fabrício Queiroz até outro dia estava escondido na casa do advogado do senador Flávio Bolsonaro. Flávio que, segundo matéria do The Intercept, financiou com dinheiro da “rachadinha”, coletado por Queiroz, construções irregulares de milicianos em Rio das Pedras. Tipo essa que desabou. O dinheiro era dado ao matador Adriano da Nóbrega. Um homem que assassinava por dinheiro, mas também por prazer: se pudesse escolher, preferia a faca. O artesão do homicídio foi homenageado por Flávio Bolsonaro com a maior honraria legislativa do Rio de Janeiro, a Medalha Tiradentes. Bolsonaro disse, em março deste ano, que foi ele quem mandou Flávio fazer a homenagem.
O prédio desabado em Rio das Pedras e a anistia das Forças Armadas a Pazuello são a mesma coisa: a destruição das estruturas. O desprezo à lei. Como é a mesma coisa o silêncio cúmplice do Conselho Federal de Medicina e dos CRMs diante de profissionais criminosos que recomendaram e seguem recomendando cloroquina. É a mesma coisa o apoio tácito ou explícito dos industriais, dos empresários, do mercado financeiro, do Facebook e do Twitter, que analisam a morte de 500 mil brasileiros de HP na mão. Talvez digam que já estava “precificado”. Se fosse “Star Wars”, vocês estariam do lado de Darth Vader. Como vocês dormem?
Está errado dizer que Bolsonaro é um genocida: o genocida quer acabar exclusivamente com um grupo étnico, religioso ou cultural. Bolsonaro é mais generoso em sua morbidez. Ele passará por cima de quem for preciso para instalar seu projeto miliciano, para perpetuar-se em seu Gabinete do Crime e do Ódio, com a ajuda dos “consiglieri” de pós-doc na parede, óculos de tartaruga na fuça e sangue nas mãos. Guedes e Salles, o contador e o meirinho da máfia. Perdão pela comparação, Corleone, pois este bando não conhece a “omertà”.
Todos os que não estão se insurgindo agora diante do desmoronamento do país terão que explicar aos filhos e netos, um dia, quando esta mortandade for ensinada nas escolas: por que se calaram? Por que não fizeram nada quando os judeus embarcavam em trens de carga e o chicote cantava no pelourinho? Covardes.
Eu sei o que direi aos meus filhos. Olivia e Daniel, deixo aqui registrado: eu e muitos à minha volta estávamos lutando pela lei, pela verdade, pela justiça. Estávamos escrevendo, nos manifestando, reportando, unindo forças, arrecadando dinheiro para a resistência e assim continuaremos até o fim, o nosso ou o da tragédia, para que vocês e todos os outros brasileiros, brancos e pretos, homens e mulheres, possam um dia viver num país decente. Pode soar piegas, mas eu não quero ser original, eu quero sobreviver.
(ilustração Adams Carvalho)