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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

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    segunda-feira, maio 17, 2021

    A vacina Jobim não tem erro

     

    SERGIO AUGUSTO

    A receita foi Chico Buarque quem deu, nas redondilhas do baião Paratodos. A cura para a ‘malaise’ brasileira estava, segundo ele, no melhor de nossa música popular. Use Dorival Caymmi, fume Ary Barroso, cheire Vinicius de Moraes, beba Nelson Cavaquinho, aviou Chico, anexando à prescrição mais meia dúzia de infalíveis panaceias musicais, entre as quais Tom Jobim, o “maestro soberano”, inspirador da terapia. De eficácia permanente, agora mais do que em 1993, quando foi lançada – mais do que nunca, eu diria—recomendo sua aplicação emergencial em massa. Tenho um amigo que acredita só estar segurando a depressão gerada pela pandemia, o isolamento social compulsório e o governo Bolsonaro porque ouve, “sem parar”, João Gilberto. Foi esta a vacina que escolheu para revisitar espiritualmente o Brasil de outras eras e outros ares, antípoda desta ruína sanitária, moral, econômica, ambiental e social perversamente engendrada pelo bolsonarismo.
    Meu antídoto preferido a isso tudo aí, que me perdoem Pixinguinha, Noel, Caymmi e Gonzagão, continua sendo Tom Jobim. Seu cancioneiro é a trilha sonora que me evoca com mais variedade de sensações e sentimentos o país e o ethos do seu tempo, que em parte foram meus e de muitos de vocês também. Induzido pelo título, peguei o álbum Antonio Brasileiro. Tom era brasileiro de nascença, sobrenome e espírito, que luxo! Na capa, ele acende um charuto, seu derradeiro prazer tabagístico. No encarte, Ipanema resplandece, com o Morro Dois Irmão ao fundo, tendo ao lado uma epígrafe de Antoine de Saint-Exupéry (aquela: “O essencial é invisível aos olhos”, mas em francês).
    Incrível como O Pequeno Príncipe vez por outra aparece nos lugares mais surpreendentes e em situações as mais inusitadas. Ser o livro de cabeceira de 99,9% de nossas misses na certa o condenou ao menosprezo eterno da crítica literária. Sempre desconfiei que fomos um tanto injustos com Exupéry. Não tão injustos quanto o general Rafael Videla, que o proibiu na Argentina, durante a ditadura militar de 1976-1981, por considerá-lo cheio de ideias subversivas.
    Na semana passada, um livro de cartas de amor trocadas entre Exupéry e a mulher, Consuelo, de 1930 a 1944, teve o condão de acabar com uma encarniçada disputa familiar pelo milionário patrimônio do escritor, trazendo Exupéry de volta ao noticiário.
    Seu ressurgimento anterior se dera no início do milênio, quando o prefeito da cidade mexicana de Nezahualcoyotl causou espanto e inveja, fora do país inclusive, ao decretar que os policiais de sua jurisdição só ascenderiam de posto se lessem pelo menos um livro por mês. Luiz Sanchez, o prefeito iluminista, até listou um plano de leitura, que incluía Dom Quixote e obras de Octavio Paz, Juan Rulfo, Carlos Fuentes – mais O Pequeno Príncipe. Desconheço se e quão certo deu a experiência, mas me pergunto se algo similar implantado aqui teria alguma chance de, no mínimo, evitar futuras chacinas como a de Jacarezinho.
    Mas voltemos à vacina Jobim, ao Antonio Brasileiro. No miolo do álbum, uma série de imagens que evocam natureza (elementos de flora, fauna e indígenas) e fotos de objetos pessoais do maestro: seu chapéu Panamá, óculos, piano, lente de aumento, um livro – a iconografia adequada para um disco que pretendia ser uma repassada na obra jobiniana e, inconscientemente, uma despedida.
    Nele, Tom, que morreria no ano seguinte, retoma temas do passado (Insensatez, Só Danço Samba, Surfboard, Chora Coração), homenageia alguns de seus heróis (Radamés, Bandeira, Pelé), cerca-se de amigos e parceiros (Caymmi, Ron Carter, Sting) e estabelece um recorde de familiares à sua volta, acrescentando aos da Banda Nova o neto Daniel e a filha Maria Luiza.
    Daniel, então com 21 anos, produziu o disco com seu pai, Paulo, e pilotou os teclados em duas faixas. Maria Luiza, ainda uma menina de sete anos, canta a duas vozes com o pai um samba inspirado no seu “cabelo amarelo” e nos seus “olhos cor de chuchu”, singelamente intitulado Samba Para Maria Luiza.
    No repertório, uma dúzia de composições de Tom, dois originais de Caymmi (Maracangalha e Maricotinha), mais a versão (Blue Train) que Tom fez para Trem Azul, de Lô Borges e Ronaldo Bastos. Além do samba para Maria Luiza, eram inéditos em disco, na interpretação de Tom, o cinematográfico Pato Preto, a telenovelística Querida (que nunca fora gravada por inteiro), o ecológico Forever Green, o carnavalesco Piano na Mangueira, o onomatopaico Trem de Ferro (em cima do “café com pão, manteiga não” de Manuel Bandeira, antes só interpretado por Olivia Hime) e dois choros para “o amigo Radamés”.
    Com o reforço de 13 instrumentos de cordas, seis metais, mais percussão, acabou resultando num dos discos mais instrumentais que Tom gravou no Brasil. E num sucesso póstumo, chancelado por um Disco de Ouro e um Grammy.
    “Nesse tão variado e múltiplo Antonio Brasileiro”, escreveu Caetano Veloso no press release do CD, “Jobim mostra acima de tudo sua generosidade. Os cuidados tímbricos e o bom gosto das linhas, assim como o imaginoso das composições, asseguram que o sol da nossa música está na potência total de sua luminosidade. Ele não nos dá apenas suas canções e seus sons. Ele prova ser excelente reprodutor biológico, trazendo ao mundo filhos e netos que por sua vez produzem boa música, inclusive junto com ele. É amor e talento. O amor de que o coração de Tom Jobim é o maior repositório: o amor pela música, pelos homens humanos e pela travessia do Brasil”. O Brasil que Bolsonaro não conseguirá, oxalá, destruir completamente. ESTADÃO

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