Se o presidente deixar, esse ano eu não morro
LEO AVERSA
Na maioria dos lares onde vive quem têm os dois neurônios necessários para entender o que é uma pandemia, as comemorações de fim de ano foram reduzidas ao mínimo. O natal não teve prima militante enfiando o dedo na cara de avô reaça, sobrinho anarquista apontando hipocrisias familiares e nem mesmo tio isentão fazendo discurso de autoajuda às duas da manhã. Um horror. O réveillon foi na mesma linha: mal deu meia-noite e já tinha acabado a festa, sem amigos e parentes para abraçar, gente para pegar e estranhos com quem tretar. Outro terror. Esse ano será diferente? Qual o plano deste brilhante, prodigioso e admirável presidente?
Para manter a, por assim dizer, tática, o presidente montou um show de diversionismo, apresentando como atração principal a própria ignorância, digna de picadeiro ou de manual de psiquiatria. A função do show era tanto atiçar sua matilha de descerebrados online como zurrar crendices e fakenews, guiando o gado cativo rumo ao precipício da estupidez. Deu no que deu: um contágio descontrolado.
A primeira temporada da pandemia no Brasil terminou com quase duzentos mil mortos.
O iluminado decidiu repetir a dose em 2021. Com as vacinas já disponíveis, todos os governantes do mundo, ao menos os não oligofrênicos, fizeram um cálculo óbvio: quanto mais cedo começar a vacinação, mais vidas se salvam e mais cedo se volta ao normal. O que concluiu sobre essa lógica cartesiana o nosso oráculo do Planalto central? Vacinação é para os fracos, vamos continuar boicotando todas as soluções, sejam testes, máscaras, distanciamento ou as próprias vacinas. A matilha online, que batia palmas furiosamente para os psicopatas e os robôs dançarem nas redes, começou a ficar desmoralizada: até os...hummm...menos inteligentes começaram a perceber que, se o governo é incompetente e imprestável, não faz a menor diferença se é de direita, esquerda ou centro. Acabam todos no mesmo brejo. Brigar para quê? No brejo dos inaptos qualquer ideologia é bem-vinda.
A meta dessas sumidades é nos juntar de novo com o avô reaça, a prima militante, o sobrinho anarquista e o tio isentão. Não numa festa de natal ou ano-novo, mas sim numa UTI. Não vão conseguir. Como cantou Belchior — e agora Emicida — ano passado a gente morreu, mas este ano a gente não morre.