Lan e o Corvo que perseguiu Carlos Lacerda
Conhecido pelo traço sinuoso que retratava o samba e as mulatas, Lan
também era um craque do humor político. Em maio de 1954, três meses
antes do suicídio de Getúlio Vargas, ele desenhou Carlos Lacerda na pele
de um corvo. A caricatura virou apelido e perseguiu o udenista até o
fim da vida.
A ideia nasceu no Cemitério São João Batista, no enterro do repórter Nestor Moreira. O jornalista havia sido assassinado por policiais de uma delegacia em Copacabana. À beira do túmulo, o fundador da “Tribuna da Imprensa” culpou o governo Vargas pelo crime.
“Lacerda estava vestido de preto dos pés à cabeça, aspecto solene, rosto compungido, ar sofredor. Quando vi a cena, senti-me enojado”, contaria o jornalista Samuel Wainer, dono da “Última Hora”, no livro “Minha razão de viver”.
De volta à redação, Wainer pediu a Lan que desenhasse seu inimigo como uma ave de mau agouro. A encomenda foi entregue em poucos minutos.
Na prancheta do caricaturista, Lacerda havia se transformado num corvo que vertia lágrimas sobre o caixão.
“De todos os desenhos que fiz de imprensa, o pior, tecnicamente, é aquele corvo. Fiz com pressa porque estava atrasado para um encontro com uma mulata”, contaria Lan ao jornal “A Nova Democracia”.
No dia seguinte, o caricaturista foi festejado pelo deputado Danton Coelho, do PTB. Empolgado, o getulista abraçou Lan e disse que ele havia feito um trabalho de “profundidade psicológica incrível”. Tinha razão.
Lacerda nunca se livraria do apelido de Corvo. Os desafetos mais mordazes o chamariam apenas de “ A Ave”.