Guedes e as privatizações de Nostradamus
VINICIUS TORRES FREIRE
O “Brasil pode ir para a hiperinflação muito rápido, se não rolar a dívida satisfatoriamente”, disse Paulo Guedes na terça-feira, dia do jorro de abjeções de Jair Bolsonaro. Em uma jornada que teve saudação da morte, culto antivacina, “maricas” e “pólvora”, pouca gente além dos observadores da economia notou a contribuição do ministro para o aumento do desespero amargo das pessoas sensatas do país.
Ainda assim, convém dar o mérito a Guedes. Se por mais não fosse, na mesma terça-feira o ministro escreveu mais uma página de seu livro das “Privatizações de Nostradamus”, aquelas que, não se sabe bem quais, acontecerão em algum dia, não se sabe bem de qual século.
Em julho, Guedes dissera que o Brasil iria “surpreender o mundo” e que “vamos fazer quatro grandes privatizações nos próximos 30, 60, 90 dias”. Como a mente e a conversa de Guedes são confusos, não se sabia se mais uma vez o ministro prometia anúncios ou privatizações. Passados uns 120 dias, nesta semana, Guedes anunciou que “estamos propondo isso para o Congresso nos próximos 30 a 60 dias”, referindo-se à privatização de Eletrobrás, Correios, PPSA (a estatal da gerência dos contratos da partilha do petróleo) e do Porto de Santos, que seriam feitas até 2021. “Estamos propondo”? Em meados de dezembro? Em janeiro, nas férias do Congresso?
Não há projeto de privatização dos Correios. O caso da Eletrobras está parado com o pessoal do centrão. Não há nem estudos iniciais para o Porto de Santos, que tem privatização prevista para 2022, pelo próprio governo, por ora um chute.
O Brasil de fato pode ir para a hiperinflação se o governo federal não rolar a dívida “satisfatoriamente". Não quer dizer nada. Do mesmo modo, se chover pode ficar molhado, quando chover. No entanto, mesmo levando em conta a incompetência econômica do governo, não há risco de hiperinflação no horizonte, embora outros desastres estejam ao alcance da mão ou das patadas bolsonaristas.
Mesmo para causar uma convulsão maior e imediata, o Congresso precisaria, por exemplo, derrubar sem mais o teto de gastos, uma mudança constitucional. Uma hiperinflação “fast food” dependeria ainda de, por exemplo, da revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal e da proibição constitucional de o Banco Central financiar o governo.
No mais, uma derrocada, fulminante ou não, depende fundamentalmente do governo, em termos técnicos e políticos. Se a administração da política econômica continuar essa mixórdia, se não houver projeto fiscal, se continuar a incompetência na negociação política de “reformas”, há risco de interrupção da despiora da economia, de a receita federal minguar, de o déficit crescer, de o dólar ultrapassar a estratosfera e de as taxas de juros longas viajarem além das nuvens poluídas onde foram parar por causa do desgoverno.
Em princípio, poderia haver estagnação no fundo do poço ou até uma recaída na recessão. Neste caso, é possível que até os cúmplices de Bolsonaro o ponham para fora do governo.
Ainda assim, pode ser que essa espiral ruinosa continue. Então, a expectativa de crescimento sem limite da dívida criaria um descontrole grave: a inflação daria uma desgarrada além da meta (não precisa ser hiper) e o BC elevaria a taxa de juros até certo ponto, quando então a conta de juros faria a dívida crescer ainda mais rápido, com o que a política do BC viria a se tornar contraproducente. Então, bau, bau.
Paulo “Nostradamus” Guedes estaria fazendo uma previsão das consequências de sua própria inépcia?