A república dos bárbaros
LUIZ GONZAGA BELUZZO
Diante das misérias da vida e de uma
vida de misérias, as vítimas dos deuses
mundanos buscam refúgio no Incom-
preensível. Nos tempos de cólera, elas
fogem das dúvidas e angústias que as
atormentam. Adaptadas, conformadas,
até mesmo confortadas e felizes, prefe-
rem aceitar que sua existência é apenas
uma permissão dos deuses e de seus pro-
curadores na Terra.
Nos espaços fabricados pelas Novas
Crenças não é possível manter conver-
sações, porque neles a norma não é a ar-
gumentação, mas o exercício da animo-
sidade sob todos os seus disfarces, a prá-
tica desbragada da agressivi-
dade a propósito de tudo e de
todos, presentes ou ausentes,
amigos ou inimigos.
As redes sociais, prometidas
como o espaço do movimento
livre das ideias e das opiniões,
se transformaram num cala-
bouço policialesco em que a
crítica é substituída pela vigi-
lância. A vigilância exige con-
vicções esféricas, maciças, im-
penetráveis, perfeitas. A vigi-
lância deve adquirir aquela so-
lidez própria da turba enfure-
cida, disposta ao linchamento.
Não se trata de compreender o
outro, mas de vigiá-lo. “Estra-
nho ideal policialesco, o de ser a
má consciência de alguém”, diz
o filósofo Gilles Deleuze, tam-
bém suspeito de patrocinar o
marxismo cultural. •