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    quarta-feira, setembro 16, 2020

    Sem fura-teto, miseráveis vão à breca

    Vinicius Torres Freire

    Jair Bolsonaro não quer “tirar nada dos pobres para dar aos paupérrimos” nem diminuir salários dos servidores públicos. Ainda que quisesse e que o Congresso aprovasse tais planos, algum dinheiro para aumentar o Bolsa Família ou coisa que o valha começaria a aparecer apenas em meados do ano que vem.

    Logo, a alternativa prática para estender o efeito do auxílio emergencial é uma gambiarra que burle o teto de gastos federais. Se não houver prorrogação do auxílio ou um esquema qualquer a fim de engordar o Bolsa Família e leva-lo a mais gente, milhões voltarão à miséria total a partir de janeiro.

    Essa é a primeira consequência prática fundamental do faniquito presidencial da manhã desta terça-feira (15), preparado e gravado —não foi uma daquelas explosões de saidinha do Alvorada. Como se sabe, Bolsonaro ameaçou expulsar do governo aqueles que queiram congelar o valor de aposentadorias e do salário mínimo ou arrochar outros benefícios sociais. Congelar: não reajustar nem pela inflação. Quer dizer: reduzir, em termos reais.

    Além do veto à transferência de renda de “pobres para paupérrimos” e do enterro provisório do Renda Brasil, Bolsonaro disse ao ministro Paulo Guedes (Economia) que quer um programa de criação rápida de empregos. Para Guedes, isso significa reduzir impostos sobre a folha de pagamentos das empresas, o que em tese exige a criação de uma CPMF.

    Logo, a segunda consequência prática do veto de Bolsonaro ao Renda Brasil é a volta da discussão prática dessa CPMF de Guedes.

    No ambiente brasiliense, de muita política politiqueira, se discutia se Bolsonaro pediu a cabeça de Waldery Rodrigues, secretário de Fazenda, uma espécie de vice-ministro de Guedes, que propôs o congelamento (redução real) de benefícios sociais. No Planalto, dizia-se que Bolsonaro acha melhor que Rodrigues peça para sair; em público, o presidente tratou o Ministério da Economia como uma espécie de serviço de consultoria externa, que toma atitudes e enuncia planos que nada têm a ver com o governo.

    Mas é fácil perceber que isso é meio irrelevante. Caso Bolsonaro não mude de ideia, não haverá Renda Brasil ou similar a não ser com fura-teto, ressalte-se. Ainda que o povo do mercado comece a admitir que a gambiarra talvez seja inevitável, haverá algum sururu e Guedes continuará no mínimo a ser refogado na banha da desmoralização.

    Essas são as questões sociais, econômicas e políticas relevantes, a não ser que, por milagre, o desemprego e a renda do início de 2021 voltem ao nível em que estavam no início de 2020, pré-pandemia.

    Ou, então, que parte do povo padeça ou morra calada e outro tanto ache que está tudo bem. Neste Brasil terminal, quem sabe seja ainda mais possível.

    Ainda não se presta atenção suficiente à gravidade das decisões que a manutenção do teto de gastos exige, situação crítica que deve explodir para algum lado já em 2021. Como era de esperar, confrontado pela primeira vez com a necessidade de tomar uma decisão de governo (não de desgoverno ou destruição ativa), Bolsonaro não decidiu nada.

    Quanto à redução de impostos sobre a folha salarial, casada com a CPMF, haverá mais problema. Primeiro, vai ter pelo menos rolo no Congresso (até agora, Rodrigo Maia diz que o imposto só passa sobre o cadáver político dele). Segundo, não há evidência nenhuma que imposto menor cria emprego, menos ainda em uma economia deprimida.

    Afora milagres ou uma contravolta de Bolsonaro, estão armadas bombas para explodir no colo de alguém. Provavelmente dos paupérrimos.

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