- Como as cidades morrem

"Tal como democracias, cidades morrem. Em meio à mais pavorosa crise humanitária em um século, o Rio de Janeiro fenece um pouco a cada dia. Há o desgoverno — um presidente da República negacionista, um governador à beira do impeachment, um prefeito vacilante — que testa a resiliência de repartições e serviços públicos. Há a deterioração das condições de vida e saúde da população. Há o ambiente econômico perverso, que ameaça atividades que, bem cuidadas, seriam tesouros do território. Quando o dilúvio passar, a cidade terá perdido também parte de sua história, na esteira de artistas, personagens e estabelecimentos que a forjaram. Perder a memória é morte.
Nunca foi segredo que os setores de turismo, alimentação, cultura e entretenimento seriam os mais afetados pela pandemia. São atividades dependentes da aglomeração e da circulação de pessoas, incompatíveis com o isolamento social. Bares e restaurantes amargam prejuízos com a clientela aquarentenada. A hotelaria teme o destino do réveillon, ainda sem destino. A festa abre a temporada de verão e reúne, nos superestimados números oficiais, mais de dois milhões de pessoas na orla de Copacabana. Cinemas, teatros, livrarias fazem malabarismos em sessões virtuais e/ou financiamento coletivo para atravessar o breu. O poder público silencia.
O mundo da folia sentiu o fechamento da centenária Casa Turuna, outrora sinônimo de fantasias e adereços. O próprio carnaval das escolas e dos blocos, festa maior da maravilhosa cidade, está mergulhado na incerteza. A Liesa adiou para setembro a decisão sobre os desfiles; meia dúzia de agremiações condiciona o espetáculo à descoberta e aplicação da vacina. Dias atrás, uma Estação Primeira de Mangueira rendida avisou aos funcionários que não tem mais como pagar-lhes. Não se trata somente de adiar ou cancelar o evento. É urgente um plano de travessia, que garanta ocupação e renda aos trabalhadores, a maioria em situação aguda de vulnerabilidade."
mais na coluna de FLAVIA OLIVEIRA
Democracia Política e novo Reformismo: Flávia Oliveira - Como as cidades morrem