Vamos lá. Algumas informações básicas:
1) A dose diária recomendada é 25 mg/kg. Se chegar a 30mg/kg, pode matar. E aí, vai encarar aquela caixinha que você comprou no desespero?
2) Você quer usar? Sim. Você faz parte de ensaios clínicos controlados? Não. Então é melhor não usar... Pela sua vida...
3) Ela é metabolizada pelo fígado. Seu fígado tá bom? Tem absoluta certeza?
4) Ela se liga facilmente à placenta e ao leite materno.
5) Como ela se liga facilmente a muitos tecidos, tem que haver uma dose de ataque relativamente alta. Lembra da pequena margem entre dose terapêutica e dose letal? Então.
6) Sabe quanto tempo ela demora pra sair do corpo, pra ser eliminada? Entre 1 e 2 meses... Lento... Pelos rins. Como estão seus rins, estão bem?
7) Lembra que eu falei que a dose terapêutica e a dose fatal são bem próximas? Então. Isso significa que o envenenamento agudo é extremamente perigoso e pode levar à morte em poucas horas.
8) Que tipo de efeito tóxico pode induzir? Sintomas cardiovasculares como hipotensão, vasodilatação, arritmias cardíacas e parada cardíaca irreversível. Sintomas centrais como convulsões e coma. É por isso que a equipe tem que saber administrar, porque deve haver diluição e tem que ser bem lento. Toda a equipe do front tem esse treinamento? Pergunta importante, né?
9) Tem reações adversas? Pode ter sim. Quais? Bora lá: fotossensibilidade; edema da retina; degeneração macular; supressão do nodo sinoatrial (lá no coração); insuficiência cardíaca; distúrbios de parâmetros sanguíneos; perda de cabelo; psoríase; mialgia; miopatia; quadros depressivos; psicose.
10) Todo mundo pode tomar? Não. Quem tem insuficiência renal não pode tomar, nem epilepsia, nem miastenia gravis, nem doenças sanguíneas ou neurológicas, nem psoríase, nem dermatites esfoliativas.
11) NÃO PODE SER ADMINISTRADA A QUEM FIZER USO DOS SEGUINTES MEDICAMENTOS (estou pegando só os mais comuns, hein?):
- anticonvulsivantes
- antiácidos a base de magnésio
- procainamida
- hidroclorotiazida
- eritromicina, claritromicina, azitromicina
- fluconazol
- estreptomicina
- antidepressivos tricíclicos como amitriptilina, imipramina, doxepina, clomipramina, melitrazina
- citalopram
- antipsicóticos
- inibidores da MAO
- domperidona
- odansetrona
- heparina
- apomorfina
- tiroxina
12) Há resultados promissores? Há. Em quem? In vitro. In vitro? Sim, lá no teste fora do ser humano. Mas e as pessoas que usaram e foram curadas? Há alguns poucos relatos. Não sabemos as reações adversas que tiveram para além de relatos pessoais. Não sabemos quais suas condições prévias de saúde. Não sabemos muito.
13) HÁ EVIDÊNCIA SUFICIENTE DE EFICÁCIA EM SERES HUMANOS? Não.
14) “Ah, mas ela é usada há tanto tempo como anti-malárico, mal não vai fazer...”. Volta lá e lê de novo a margem estreita entre dose eficaz e letal, pessoas cujas condições prévias de saúde tornam não recomendável o uso e interação com outros medicamentos.
15) Temos tempo para informar todo o (pouco) staff que temos de tudo isso? Não. É melhor esperar outros estudos e resultados? SIM, COM CERTEZA.
16) “Ah, mas Bolsonaro acha bom tomar”. Deixa ele tomar primeiro, uns 30 mg/kg ou um pouco mais pra ser dose de ataque e não ficar dúvida, em rede nacional, e depois a gente decide.
É isso.
Enquanto isso, tem gente precisando da cloroquina realmente pra sobreviver em decorrência de outras doenças.
Vamos transformar quem amamos e a nós mesmos em testes duplo cego?
Bom, eu não recomendo.
Não até que tenhamos protocolos seguros. Ou vamos trocar uma morte evitável por outra?
Lígia Moreiras.
Eu sou Doutora em Farmacologia pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Também sou Doutora em Saúde Coletiva pela mesma universidade.
Mas caso isso não seja suficiente por qualquer motivo, todas essas informações estão na nota técnica emitida pela FIOCRUZ no dia 03/04/2020.