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    domingo, fevereiro 23, 2020

    Sem as marchinhas de Nássara, o carnaval não seria o mesmo


    SERGIO AUGUSTO
     
     
    Quando Nássara fez 80 anos, fui entrevistá-lo para a Folha de S. Paulo. Estamos em 1990, e o aniversariante não me ouve: com a idade, ficara mais surdo que uma porta. Escrevo as perguntas num bloco de papel; ele, sentado à minha frente na mesa da sala, as responde de viva voz, já que apenas perdera a audição. “Surdo, mas não mudo.”

    Por que não usa um aparelho auditivo?, gesticulei. Já experimentara todos; nenhum dera certo. “Só operando. Mas eu não sou trouxa de me operar com essa idade só pra ouvir melhor, correndo o risco de estragar outra coisa, né?”, complementou, encerrando o assunto.

    Nássara, ironicamente, tinha orelhas grandes; sinal de vida longa, observei-lhe; mas o fato é que ele só duraria mais seis anos, morrendo justo no dia 11 de novembro, seu 86º aniversário.

    Ironia era mesmo o seu forte, não fosse ele um gozador full time, falando, desenhando e compondo. O título de “caricaturista do samba” tinha duplo sentido.

    Foi depois de ouvir, semana passada, um bloco pré-carnavalesco do bairro entoar a marchinha Alá-lá-ô! e duas outras mais ou menos da mesma época, que me convenci de que, neste domingo de carnaval, precisava homenagear um de seus patriarcas, um daqueles músicos cujas composições, de perene appeal popular, nunca deixaram de animar a fuzarca de Momo.

    Descartei os mais manjados e festejados –Braguinha, Lamartine, Ary Barroso –, parei e ajoelhei-me diante de Antônio Gabriel Nássara, por sinal o autor, com Haroldo Lobo, de Alá-lá-ô!, sucesso carnavalesco de 1941. E também de Periquitinho Verde (1938), de parceria com Sá Róris, Balzaqueana (1950) e Sereia de Copacabana (1951), as duas últimas em dupla com Wilson Batista.
    Seis meses depois de abafar no Carnaval de 1950, a irresistível marchinha Balzaquean – aquela que termina assim: “Papai Balzac já dizia/Paris inteira repetia/Balzac acertou na pinta/Mulher só depois dos trinta” – estourou na França, durante os festejos do centenário de morte do escritor, numa versão providenciada pelo ator Michel Simon. “Excusez du peu”, acrescentava Nássara sempre ao relatar essa façanha binacional.

    Com trono cativo na música popular, no rádio, no humorismo e até na publicidade (fez o primeiro jingle para o rádio, exaltando a excelência dos pães da Padaria Bragança, em Botafogo, zona sul do Rio), o irrequieto nativo do imperial bairro de São Cristóvão que se criou na Valhala do samba que foi Vila Isabel, na companhia de Noel Rosa (seu parceiro uma vez), Almirante, Braguinha, Orestes Barbosa e Haroldo Barbosa, abafou no Carnaval de 1933 com a marcha Formosa, impulsionada pela dupla Francisco Alves-Mário Reis.

    Era o menos farrista da turma, não porque fosse caseiro, abstêmio ou evangélico, mas porque largava do batente no jornal O Globo –onde paginava, retocava fotos e desenhava caricaturas – caindo pelas tabelas. Num país sério e civilizado, teria ficado milionário ao longo das quatro décadas em que animou os salões com suas marchinhas, sem precisar dos caraminguás da aposentadoria de jornalista.
    No traço e na música, Nássara retratou como nenhum outro o Rio em que tudo era levado no lero, na parolagem esperta, na sedução oral –geralmente ao redor de um banco de praça (melhor ainda se na Cinelândia) ou de uma mesa no Café Nice e outros enclaves boêmios do centro da cidade. Seu estilo supereconômico e eficaz de desenhar, um minimalista avant la lettre, transformou-o no ídolo de mais de uma geração de humoristas. Jaguar levou-o para o Pasquim. Cássio Loredano dedicou-lhe um livro. Millôr...

    Millôr escreveu apenas o seguinte:

    “De uma certa maneira, o Rio é uma invenção de Nássara, Orestes e Noel. Inventores também do papo-furado, foram se distraindo e a cidade cresceu em volta deles.” Muito amigos, com Millôr o destemperado Nássara nunca brigou. Mas Lamartine e Braguinha não escaparam de sua iracúndia, que, apesar dos decibéis por vezes alcançados (“cambada de piolhos!”, era o seu insulto preferido), convergia sempre para um carinhoso cessar-fogo.

    Seu jeito para o desenho levou-o a estudar arquitetura, que largou no quarto ano, e a cursar a Escola de Belas Artes. Tentou imitar J. Carlos, em cujo “traço simplificado” se amarrou, mas estava predestinado a ter um estilo mais do que próprio, personalíssimo.

    Noel Rosa também quis ser caricaturista, mas não deu certo.”Só sabia decalcar os desenhos do J. Carlos”, me contou o próprio Nássara, a quem Noel chegou a pedir emprego em jornal. Os dois, aliás, conversavam sobre isso quando, num certo fim de tarde, apareceu Di Cavalcanti. “O Rosa (ele só chamava Noel assim) mostrou pro Di um de seus desenhos, o Di olhou, olhou, e, cantando as primeiras estrofes de Nuvem que Passou, saiu pela tangente: ‘Ô, Noel, quem compõe belezas como esta não precisa trabalhar em jornal.”

    Nássara conseguiu acumular as duas vocações. Caricaturou meio mundo, avacalhou outro tanto. Satirizou e parodiou gente e música daqui e lá de fora. Em cima da canção italiana Cuore Ingrato, compôs, com seu mais fiel comparsa, Eratóstenes Frazão, a marcha Coração Ingrato, premiada pela Prefeitura do Rio em 1935. Brincou com Mamãe Eu Quero na última estrofe de Periquitinho Verde; inspirou-se na Valsa dos Patinadores pra compor um verso de Nós Queremos uma Valsa; gozou os nazistas derrotados em Stalingrado, na trocadilhesca Danúbio Azulou; a quatro mãos com Wilson Batista, abrasileirou e carnavalizou a espanhola La Paloma em Pombinha Branca.

    Nássaro atravessou mais de uma dezena de presidentes da República e suas gozações alcançaram a era Paulo Maluf. Se ainda vivo e na ativa, teria feito meia dúzia de marchinhas sobre a família Bolsonaro, o laranjal do Queiroz e o “Posto Ipiranga”, para alegrar o carnaval de rua deste ano.



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