Meu textinho no tema “artista é tudo vagabundo”
ZECA FERREIRA
Orçamento justo, locações perto, mas sempre aquela história de leva refletor pra lá, busca o ator ali, atrasa o almoço meia-hora, antecipa o lanche, monta a tenda, desmonta, etc etc etc. No início da pré-produção, sugeri que tivéssemos pelo menos um carrinho elétrico (atualmente, em Paquetá temos carrinhos elétricos em substituição às antigas charretes) e sugeri que a produção conversasse com o Mauro, (condutor, ex-charreteiro, “nascido e criado” na ilha), que além do transporte, poderia nos ajudar com seu conhecimento do bairro e das pessoas. Não deu outra, Mauro, apelidado pela equipe de Maurão, estreou no cinema.
“Tá precisando? Pra que horas?”
Lá fomos nós.
A distância entre a minha casa e a estação das barcas é bem pequena. Mas foi o tempo de trocarmos um pequeno diálogo que levo comigo, nas lembranças fundamentais que essa profissão me legou:
“É, acabou, quer dizer , ainda tem um pessoal desproduzindo uma locação” (a essa altura, já falávamos na língua do cinema)
“É louco, né, Zeca? Forma como se fosse uma família e depois, de uma vez, acaba, vai todo mundo embora, cada um vai pra um canto.”
“Pois é, não é fácil não. Mas você ainda vai encontrar todo mundo de novo, quando a gente fizer a sessão de lançamento.”
“Lançamento? E eu tenho que ir, é?”
“Não é obrigado, claro, mas você vai perder a chance de ver o seu nome na tela do cinema?”
“Ué, vai ter o meu nome?”
“Claro, ué, você não trabalhou? Vai ter o nome de todo mundo que trabalhou no filme.”
Silêncio silêncio silêncio.
“Sabe, Zeca, depois desse filme, sou o primeiro a defender quando alguém vem dizer que isso que vocês fazem é coisa de vagabundo” (estávamos vivendo aquele clima de guerra pós eleição) “Porque, vou te contar, o pessoal rala nesse negócio. A gente ralou pra caramba, não é fácil não.” (uma observação aqui: no dia do nosso jantar de confraternização, o Mauro não foi porque, depois do set, precisava estar no seu plantão como vigia do hospital)
‘
Chegamos à estação, abri a carteira pra tirar o dinheiro mas ele não quis receber. Insisti, ele não aceitou, e me disse.
“Vou te falar uma coisa. Trabalhei até ontem, hoje peguei um passeio cedo e não ia mais trabalhar. Falei: hoje vou tirar a tarde pra tomar uma cerveja. Só vim porque era você.”
Obrigado, cinema.