Os protegidos de Moro
TEREZA CRUVINEL
O apelido “república de Curitiba” nunca foi tão adequado à Lava Jato como nesta última demonstração da onipotência do juiz Sérgio Moro, revelada pela Folha de S. Paulo. Em um despacho de abril, que só teve o sigilo levantado ontem, ele proibiu organismos federais de controle, como CGU, TCU, AGU e Receita Federal, de usarem as provas obtidas pela Lava Jato, em acordos de delação premiada, para impor sanções administrativas aos criminosos delatores.
Com esta determinação, Moro declara a independência processual de Curitiba, como se dissesse: “nos meus delatores ninguém tasca”. Graças a eles, o juiz obteve informações que lhe propiciaram seus maiores louros, a prisão de políticos notáveis, em sua maioria do PT, com destaque para a do ex-presidente Lula. Em troca, os delatores tiveram as penas reduzidas, pagaram multas, salvaram parte do patrimônio, foram liberados e desfrutam a vida em mansões ou apartamentos de luxo. Assim vivem, por exemplo, Alberto Youssef, Pedro Barusco, Paulo Roberto Costa e Fernando Baiano, entre os operadores. E entre os empresários, Ricardo Pessoa, da UTC, Otávio Marques Azevedo, da Andrade Gutierrez e Marcelo Odebrecht, entre outros grandes empreiteiros. Quem continua preso, entre eles, é Leo Pinheiro, da OAS.
Com seu despacho, Moro busca proteger “seus” delatores contra novas punições, em processos administrativos que buscam reparação, para o Estado, dos danos causados pelos atos de corrupção que praticaram. Na decisão, o juiz informou aos organismos de controle que eles podem realizar investigações por conta própria, mas não usar as provas obtidas pela Lava Jato. Isso atinge a AGU, que vem cobrando R$ 40 bilhões de ressarcimentos das empreiteiras envolvidas, o TCU, que também busca reparações, e a Receita, que tenta cobrar impostos devidos sobre ganhos obtidos ilicitamente. E como alguns procedimentos já estão em curso, Moro ainda condicionou à sua autorização o prosseguimento das medidas contra seus delatores de estimação, que tenham base nas provas obtidas pela Lava Jato.
Nestas condições, dificilmente avançarão os acordos de leniência que algumas construtoras negociam com a CGU e a AGU, sob a supervisão do TCU. Sem eles, o Estado dificilmente resgatará as perdas com a corrupção mas as empresas também podem ficar impedidas de firmar contratos com o setor público. Não parece haver vantagem para ninguém no monopólio das provas por Moro.
Como o Conselho Nacional de Justiça já indicou que não compra briga com a Lava Jato, caberia ao Congresso disciplinar melhor as regras da delação premiada. Há projeto neste sentido tramitando mas dali também, este ano, sairá no máximo o feijão-com-arroz.