Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital.
Desagua douro de pensa mentos.
Se formos rigorosos - de um ponto de vista de esquerda - o legado dos
governos lulistas em transformações sociais é pífio. Comparados ao que
Getúlio Vargas nos deixou como projeto de Estado, ou mesmo Ernesto
Geisel (!) no plano de um projeto industrial soberano, os treze anos
entre 2003-16 representam marcos miúdos. Os dois citados tinham
programas conservadores, mas comandaram transformações reais.
Lula dificilmente pode ser classificado como personagem de esquerda. A
constatação é dele mesmo: "Se você conhece uma pessoa muito idosa
esquerdista, é porque está com problema" [risos e aplausos]. "Se você
conhecer uma pessoa muito nova de direita, é porque também está com
problema", afirmou o presidente depois de receber o prêmio "Brasileiro
do Ano" da revista "IstoÉ", relatava a Folha de S. Paulo, em 11 de
dezembro de 2006. As administrações petistas nunca colocaram em
risco o edifício neoliberal construído nos anos 1990 por FHC. Apenas por
um breve período - entre 2006-10 - houve uma política fiscal expansiva e
um aumento do investimento público. Mas estamos em um país
periférico e de abissais diferenças sociais. O pouco aqui pode ser
muito, a depender das condições e da época. Sem ser de esquerda e
sem ser desenvolvimentista, Lula teve momentos importantes em suas
gestões. As políticas de aumento real do salário mínimo, de expansão do
crédito e de conteúdo nacional foram pontos progressistas nesses tempos.
Até medidas abertamente neoliberais, como o FIES e o Prouni - de
subsídios aos gigantes da educação - tiveram o condão de levar aos
bancos universitários gente que jamais sonhou em lá estar. Movendo-se
com habilidade nos interstícios da dominância financeira, Lula
possibilitou a elevação da qualidade de vida dos pobres. Não foi
fantasia. Quem se der ao trabalho de examinar a curva da elevação média
do salário real nesses anos e compará-la à curva da elevação da
produtividade do trabalho, constatará que os primeiros subiram mais que a
segunda. Ou seja, houve ganhos reais por alguns anos.. (Qualquer hora
publico novamente esse gráfico). Se Lula é assim tão moderado e até recuado em seus propósitos, por que a direita quer retirá-lo do jogo político?
Porque para as classes dominantes brasileiras, nem essas modestíssimas
reformas são permitidas. Nem acenos mínimos aos de baixo são tolerados
por uma escória que tira o sangue do trabalhador há cinco séculos. Hay
que endurecer sin perder la tortura, jamás!, parece ser seu slogan.
Os novos senhores de engenho não topam nada, a não ser quando seu
projeto de dominação está totalmente desmoralizado, como em 2002.
Lembremos: o PT chega ao governo após o tucanato quebrar o país por três
vezes. Mesmo assim, Lula teve de assinar a promessa de não tocar nas
pratarias da casa, como se lê na Carta aos Brasileiros. Esse
pequeníssimo reformismo, movido a políticas sociais que Lula jamais quis
constitucionalizar, fazem dele algo incômodo nesta fase de avanço
conservador no mundo e de necessidade do capital garantir suas
salvaguardas de reprodução ampliada. Os de cima não aguentam mais alguém
que salve as aparências do modelo, como há quinze anos. O líder
petista por sua - aqui sim - extraordinária capacidade de se comunicar
com amplas massas e de furar todas as bolhas se tornou - vejam só! - um
perigo. Elas podem ficar descontroladas. É o mal a ser evitado. Assim, a perseguição a ele se torna não apenas emblemática, mas o centro do golpe dentro do golpe.
Apesar das políticas absolutamente contraditórias e erráticas dos
governos petistas, é essencial para qualquer democrata defender o
direito de o ex-presidente concorrer em 2018. Não é preciso gostar e nem
concordar com ele para se engajar nessa luta. A cassação de Lula
significa deixar claro que a democracia brasileira é curta e estreita. E
que vai sobrar para mais gente...