A MORTE E A MORTE DA SELEÇÃO BRASILEIRA
de Luiz Antonio Simas
Galvão Bueno tendo um ataque apoplético após o jogo da seleção brasileira é comparável ao General Custer indignado com o genocídio de índios norte-americanos. Galvão, afinal, que foi em outros tempos ótimo narrador, é um ícone, com suas patacoadas histéricas de arauto do Brasil grande, do processo mais amplo de destruição da seleção masculina de futebol. A obra dessa destruição é complexa, coisa de morte matada com mais de oitenta tiros e uma cacetada de assassinos. E digo logo que é uma morte dupla, já que a seleção dos homens morreu também no campo do simbólico.
Eu acuso...
1- A bandidagem burlesca da CBF, uma corporação mafiosa, como a FIFA, o COI, o COB e outras instituições que viram no esporte uma grande lavanderia para seus empreendimentos escusos.
2- A transformação do jogador de futebol em celebridade pop de ocasião, com decisiva colaboração da mídia: a turma, antes de pensar em jogar bola, quer entrar em campo com gel no cabelo, sobrancelha feita, suvaco depilado, brinco de ouro e outros salamaleques. Nem vou falar das cinquenta e tantas tatuagens de metade da seleção brasileira e dos cortes de cabelo geométricos que exigem manutenção diária (eu não veria nenhum problema nisso, se a construção da imagem não viesse acompanhada de uma infantilização/normatização do corpo estimulada pela indústria das celebridades).
3- A morte dos estádios, virados em arenas multiuso, com bistrô, loja de conveniência, espaço gourmet e outras babaquices, numa pegada totalmente desvinculada da cultura do futebol que desenvolvemos na América do Sul.. O estádio era um espaço de formação do torcedor. A arena não é.
4- A profanação das camisas dos clubes com propagandas de cursos de inglês, bancos, funerárias, produtos de limpeza, organismos internacionais de combate à fome ou coisa que o valha. Vejo aí, na transformação dos "mantos sagrados" em outdoor, um sinal de que a própria ideia de clube como instituição de pertencimento do torcedor anda morrendo também.
5- A limitação dos nossos técnicos, que agora se arvoram a dizer que se reciclaram depois de passar uma mísera semana fazendo estágio no Barcelona.
6- O baixo nível de parte da imprensa esportiva, jabazeira e bajuladora.
7- A morte da rua e da várzea como espaços cotidianos da pratica do futebol e de sociabilidade da garotada, agora obrigada, se quiser brincar de jogar bola, a se inscrever nas escolinhas de clubes, lugar em que geralmente o lúdico perde espaço para a adequação do corpo e a domesticação do talento.
8- A linguagem moderninha dos narradores e comentaristas, aqueles que chamam o craque de "atleta diferenciado", passe pro gol de assistência (deslumbrados com a NBA), reserva de peça de reposição e coisas do gênero.
9- A quebra do vínculo simbólico que unía a seleção ao torcedor e passava pelo clube;
10- A "barcelonização" da torcida infantil, refletida nas crianças brasileiras que andam se declarando torcedoras de clubes europeus, em alguma medida porque os laços simbólicos que citei acima foram quebrados.
11- A incapacidade do comando do futebol pensar nestes laços simbólicos, enfrentando o desafio colocado pela globalização para o esporte, um fenômeno que por um lado amplia possibilidades e por outro gera a uniformização dos padrões culturais, inibindo a produção de novos conhecimentos e técnicas, tanto no plano coletivo como no individual. Isso claramente se reflete até na perda de algumas características do nosso modo de jogar bola e torcer. Lidamos com essa demanda de forma autofágica, jogando a água da banheira fora com a criança dentro, em um processo que, a médio prazo, vai destruir clubes pequenos e médios (já destrói) e restringir o futebol brasileiro apenas aos clubes que tiverem o maior número de clientes consumidores do jogo (essa nova entidade que está surgindo no lugar dos torcedores).
Eu poderia citar diversas outras coisas, mas o mais dramático, a meu ver, é esse embaralhamento de causas e efeitos e da morte dupla do canarinho: no campo de jogo e no campo simbólico das paixões, afetos e empatias. A seleção brasileira de futebol masculino pode até ganhar a medalha olímpica e eventualmente fazer bom papel em Copa do Mundo, mas morreu. A camisa amarela, que já foi manto sagrado de vestir cavalo de santo, hoje é mesmo uma mortalha que veste, mais do que um time , um país que está indo pelo mesmo caminho do seu futebol. Ou seria o inverso?
Galvão Bueno tendo um ataque apoplético após o jogo da seleção brasileira é comparável ao General Custer indignado com o genocídio de índios norte-americanos. Galvão, afinal, que foi em outros tempos ótimo narrador, é um ícone, com suas patacoadas histéricas de arauto do Brasil grande, do processo mais amplo de destruição da seleção masculina de futebol. A obra dessa destruição é complexa, coisa de morte matada com mais de oitenta tiros e uma cacetada de assassinos. E digo logo que é uma morte dupla, já que a seleção dos homens morreu também no campo do simbólico.
Eu acuso...
1- A bandidagem burlesca da CBF, uma corporação mafiosa, como a FIFA, o COI, o COB e outras instituições que viram no esporte uma grande lavanderia para seus empreendimentos escusos.
2- A transformação do jogador de futebol em celebridade pop de ocasião, com decisiva colaboração da mídia: a turma, antes de pensar em jogar bola, quer entrar em campo com gel no cabelo, sobrancelha feita, suvaco depilado, brinco de ouro e outros salamaleques. Nem vou falar das cinquenta e tantas tatuagens de metade da seleção brasileira e dos cortes de cabelo geométricos que exigem manutenção diária (eu não veria nenhum problema nisso, se a construção da imagem não viesse acompanhada de uma infantilização/normatização do corpo estimulada pela indústria das celebridades).
3- A morte dos estádios, virados em arenas multiuso, com bistrô, loja de conveniência, espaço gourmet e outras babaquices, numa pegada totalmente desvinculada da cultura do futebol que desenvolvemos na América do Sul.. O estádio era um espaço de formação do torcedor. A arena não é.
4- A profanação das camisas dos clubes com propagandas de cursos de inglês, bancos, funerárias, produtos de limpeza, organismos internacionais de combate à fome ou coisa que o valha. Vejo aí, na transformação dos "mantos sagrados" em outdoor, um sinal de que a própria ideia de clube como instituição de pertencimento do torcedor anda morrendo também.
5- A limitação dos nossos técnicos, que agora se arvoram a dizer que se reciclaram depois de passar uma mísera semana fazendo estágio no Barcelona.
6- O baixo nível de parte da imprensa esportiva, jabazeira e bajuladora.
7- A morte da rua e da várzea como espaços cotidianos da pratica do futebol e de sociabilidade da garotada, agora obrigada, se quiser brincar de jogar bola, a se inscrever nas escolinhas de clubes, lugar em que geralmente o lúdico perde espaço para a adequação do corpo e a domesticação do talento.
8- A linguagem moderninha dos narradores e comentaristas, aqueles que chamam o craque de "atleta diferenciado", passe pro gol de assistência (deslumbrados com a NBA), reserva de peça de reposição e coisas do gênero.
9- A quebra do vínculo simbólico que unía a seleção ao torcedor e passava pelo clube;
10- A "barcelonização" da torcida infantil, refletida nas crianças brasileiras que andam se declarando torcedoras de clubes europeus, em alguma medida porque os laços simbólicos que citei acima foram quebrados.
11- A incapacidade do comando do futebol pensar nestes laços simbólicos, enfrentando o desafio colocado pela globalização para o esporte, um fenômeno que por um lado amplia possibilidades e por outro gera a uniformização dos padrões culturais, inibindo a produção de novos conhecimentos e técnicas, tanto no plano coletivo como no individual. Isso claramente se reflete até na perda de algumas características do nosso modo de jogar bola e torcer. Lidamos com essa demanda de forma autofágica, jogando a água da banheira fora com a criança dentro, em um processo que, a médio prazo, vai destruir clubes pequenos e médios (já destrói) e restringir o futebol brasileiro apenas aos clubes que tiverem o maior número de clientes consumidores do jogo (essa nova entidade que está surgindo no lugar dos torcedores).
Eu poderia citar diversas outras coisas, mas o mais dramático, a meu ver, é esse embaralhamento de causas e efeitos e da morte dupla do canarinho: no campo de jogo e no campo simbólico das paixões, afetos e empatias. A seleção brasileira de futebol masculino pode até ganhar a medalha olímpica e eventualmente fazer bom papel em Copa do Mundo, mas morreu. A camisa amarela, que já foi manto sagrado de vestir cavalo de santo, hoje é mesmo uma mortalha que veste, mais do que um time , um país que está indo pelo mesmo caminho do seu futebol. Ou seria o inverso?