PALAVRAS
Quando as pessoas se amavam não havia sentido em se excluírem mutuamente. O pouco de luz que uma trazia misturava-se com o pouco de luz carregado pela outra. As escuridões se reduziam. E desse encontro luminoso uma coisa aparecia, que era amada em comum. Essa coisa era a verdade. Agora, parece, e é triste e assustador, cada um sabe de antemão a verdade, e não é a do outro. Já não se precisa do outro, ele que não perturbe! Ele está errado! Como, em relação à mesma coisa, não há duas verdades, a bonita oscilação do mar e da areia já não nos serve. Ou bem, ou bem. O diálogo está cassado.
Houve um tempo em que falar com os outros era uma alegria. E interromper, quando alguém parecia se tornar dono da verdade, uma obrigação. Ninguém levava a mal. Falava-se, calava-se. E a verdade ia-se instalando na conversa amorosa. Hoje, a se acreditar nos jornais, nas redes e nos ressentimentos, essa conversa sorridente acabou. Mas eu me lembro do tempo em que falar e calar eram um modo da alegria amorosa. E não estou tão velho que minha memória se perca na névoa de um tempo que não retornará. Retornará, sim. Está escondido, porque também o tempo se retrai. E se mostra. Retornará o tempo de conversar.
- Márcio Tavares d'Amaral