Na política, mesmo os crentes precisam ser ateus
"Não se constrói um projeto político com crentes. Mas a angústia, no Brasil de hoje, se dá também pela vontade de acreditar que algo é verdadeiro num cotidiano marcado por falsificações. O perigo é que, quando o roteiro dos dias parece ter sido escrito por marqueteiros, não cabe razão nesse acreditar. Exige-se fé. Quando a política demanda adesão pela fé, é preciso ter muito cuidado. Os partidos que estão aí, puxando para um ou outro credo, podem acreditar que lhes é favorável ter uma população de crentes legitimando seus projetos de poder. Mas a adoração, rapidamente, pode se deslocar para outro lugar, como alguns já devem ter começado a perceber depois das manifestações do domingo, 13 de março. Ou pior, para um ídolo de barro qualquer. Rebaixar a política nunca é uma boa ideia para o futuro. Quem acha que controla crentes, com suas espirais de amor e de ódio, não aprendeu com a história nem entende o demasiado humano das massas que gritam.
Há uma enorme descrença nos políticos e nos partidos tradicionais, este
já é um lugar comum. Mas é importante perceber que a esta descrença se
contrapõe não mais razão, mas uma vontade feroz de crença. Quando os
dias, as vozes e as imagens soam falsas, e a isso ainda se soma um
cotidiano corroído, há que se agarrar em algo. Quando se elege um
culpado, um que simboliza todo o mal, também se elege um salvador, um
que simboliza todo o bem. A adesão pela fé, manifeste-se ela pelo ódio
ou pelo amor, elimina complexidade e nuances, reduz tudo a uma luta do
bem contra o mal. E isso, que me parece ser o que o Brasil vive hoje,
pode ser perigoso. Não só para uma ditadura, como é o medo de alguns,
mas para que se instale uma democracia de fachada, como já vivemos em
alguns aspectos."
leia mais no artigo de Eliane Brum
leia mais no artigo de Eliane Brum
Manifestações de 13 de Março: Na política, mesmo os crentes precisam ser ateus | Opinião | EL PAÍS Brasil