Traço passado a limpo - A ironia fina de FORTUNA

" Os amigos artistas da imprensa -que, como ele, brigavam contra os prazos apertados- sabiam e invejavam: uma vez definida a piada, ou imaginada a charge, ou bolado o cartum, Fortuna levava dias ou semanas para apresentar o desenho definitivo.
"Sofria como Flaubert para pôr o ponto final", define Jaguar. "Na verdade, ele se divertia na hora de modificar o traço de um nariz, a posição da boca, algum braço cruzado ou entrelaçado. Punha o desenho a certa distância, em cima de um sofá, por exemplo, e ficava horas a observá-lo. Não adiantava dizer a ele que nenhum leitor de jornal repetiria aquele ponto de observação", conta Felipe.
"Todo humorista insiste em investigar a lógica, em desvendar os desacertos existentes naquilo que aparenta certeza ou verdade. Fortuna adiciona 'nonsense' às experiências mais cotidianas, de tal modo que a possível inversão de uma situação não a faz voltar a um estado de normalidade. Pegue-se, por exemplo, o cartum dos mendigos que trazem chapéus na mão com os quais pedem dinheiro (à exceção de um deles). É justamente o mendigo sem chapéu que pede a quem passa: 'Um chapeuzinho, pelo amor de Deus!'. Isso, sim, é a extrema miséria. O riso surge da constatação de que o mendigo pede um instrumento de trabalho para que possa mendigar", continua. "

leia o texto de ALVARO COSTA E SILVA :
Traço passado a limpo - 04/05/2014 - Ilustríssima - Folha de S.Paulo