Palavras: CALAZANS
Calazans escreve de futebol mas poderia estar descrevendo o nosso mundo
Chegamos a um ponto que nem eu esperava: gente adorando que Neymar tenha apanhado bastante, no jogo com o Velez ou em qualquer outro, para que ele, Neymar, "aprenda o que é futebol". Ou melhor, aprenda o que essa gente "pensa" o que é o futebol.
Chego também à conclusão de que o futebol de que ela gosta é com bastante pancada, bastante falta, em quem sabe jogar e quer jogar quando entra no campo. Até mesmo de forma inconsciente, o que não surpreende, essa turma (presente inclusive na mídia, acreditem ou não) prefere os brucutus, os cabeças de área, os chamados homens de contenção, ao craque, ao talento, à criação, à beleza.
Tanto prefere que procura dar a esses pernas de pau todas as facilidades e prerrogativas para parar as jogadas de Neymar e de outros que ousam entrar em campo para driblar, prender a bola, ficar com ela, pensar a jogada, executá-la. Não estranha que seja uma parte tosca e inculta da torcida e da própria mídia, uma parte sem nenhum refinamento para apreciar o que o futebol tem de melhor e mais bonito, e que até por isso se manifesta através da linguagem pobre dos chavões e lugares-comuns, como "chegar junto", "chegar atrasado", "jogo de contato" e outras expressões chinfrins que tentam justificar o antijogo. Pessoas que se identificam mais com o antijogo do que com o jogo. Enfim, chegamos lá. Como sugeriu José Saramago, a sociedade parece ter atingido o último estágio antes do grunhido.
- Fernando Calazans
Marcadores: palavras