Ines Pedrosa: devo às canções do Brasil a minha fé no amor

As
canções brasileiras – em especial as de Chico e Caetano – contribuíram
decisivamente para o amadurecimento afetivo e a emancipação erótica dos
portugueses
|
só
os brasileiros clamam que estão gozando (num gerúndio lento, benza-os
Deus) no auge da entrega física. Os portugueses apenas usam o verbo
gozar contra alguém. O português é púdico em público e desbragado na
intimidade, o brasileiro pelo contrário – genericamente falando, claro. |
a
canção brasileira afirmou-se como um programa filosófico que vê o
enamoramento como porta de acesso à sabedoria e à afirmação da
identidade – pela fusão ou pela sobrevivência à separação. Nunca há o “why she had to go” (“por que ela teve de ir”, trecho da canção Yesterday),
mas sempre, e pelo contrário, a lucidez que o encantamento ou a
desilusão acendem: o conhecimento pelo sangue, como resposta corajosa e
convicta diante de qualquer hipótese de “explicação” lógica ou racional.
O seu fascínio reside na falta desse triturador que é “a análise da
relação”. A canção inglesa ou norte-americana pressupõe um why – pretende que o amor tenha uma lógica e se desenrole como um western,
com índios maus e caubóis valentes. Aquela coisa protestante: razão,
culpa e expiação. O brasileiro não: metade das canções de dor-de-corno
são listagens de memórias de um passado que se acarinham ou xingam como a
um animal doméstico (“não, nada irá neste mundo/ apagar o desenho que
temos aqui” ou, sucintamente, “tudo dói”) ; a outra metade são
encenações de uma felicidade póstuma e vingativa (“quantos homens me
amaram/ bem mais e melhor que você”). E as canções de amor feliz são
relatos eróticos, tecidos com a precisão de um relato de futebol. |
As pessoas apaixonam-se pelo amor porque ele é contraditório,
desregrado, feliz, desesperado, sôfrego e autocentrado. Impaciente, numa
vida cada vez mais orquestrada para a paciência. |
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