Pra aquietar
Pessoas me perguntam sempre: Como é Paquetá? ou Por que Paquetá?
E é dificil de explicar pois é falar de sensações & emoções para quem vive no conforto da racionalidade ou amparado por serviços & luxos que considera essenciais.
Quando conto de um lugar onde se dorme de janelas abertas e largo as coisas na rua pois ninguem as leva sinto um resvalo de compreensão
mas se me empolgo e passo a citar o senso de comunidade de ilhéus que delimitados geograficamente e nivelados socialmente tendem a se conhecer e se ajudar melhor, ou a desaceleração do tempo ou o sabor do silencio
ou resgate de tradições perdidas
sinto que estão pensando nas ruas de terra ausencia de delicatessens diversas precariedades e me olham com pena ou como se fosse maluco.
Vou tentar descrever então pelos acontecimentos do fim de semana.
Para responder principalmente aos que retrucam com "Mas lá não acontece nada? O que é que tem pra fazer?"
Sábado comemorar o aniversário de um amigo nosso (e da ilha), o artista Mello Menezes, com vários amigos (ilhéus e vindos do continente) num almoço ao ar livre num grande quintal à sombra das árvores. Em meio à boa comida alguns pegam de seus instrumentos e começam a tocar e a cantar.
Em seguida, apresentação de Mauro Senise e Gilson Peranzetta, dois craques da música, numa casa colonial, de acústica interessante. O clima é mágico, já aquecido pelo almoço e temperado pelo astral do lugar, da ilha e das pessoas presentes.
O show propriamente dito termina e começa uma jam, com os acima e outros músicos, que vai se estendendo pela tarde, em torno do piano que foi da rainha-mãe da Inglaterra.
Ao final do dia, um dia muito quente, as pessoas deixam a musica e tecem outra canção entrando no mar, se refrescam, mergulham, boiam, enquanto o por do sol tinge de tons maiores e menores as águas.
À noite, um espetáculo com músicos locais da ilha, comandado pelo Maestro Veras, no palco do PIC, que vai até a madrugada.
Domingo palestra emocionante de Muniz Sodré sobre A Alegria.
(ele acaba de chegar de Estocolmo onde proferiu a mesma palestra)
Com a participação de Domício Proença Filho, membro da ABL e neto de Dona Áurea que faz geléias deliciosas em casa.
Depois desse papo, e dos papos em torno de várias mesas e cervejas,
o calor conduz novamente eu e ana à agua.
Cercado de líquidos, por fora e por dentro, não sabíamos que o dia terminaria em muito mais água ainda.
Antes do escurecer da noite o céu está preto
atravesso o gramado com o cão até a beira do mar para nos crisparmos com os relampagos grossos rasgando de eletricidade o cenário.
Quando vem a tempestade e olho pela janela não vejo ruas alagadas e transito engarrafado.
Antes a cortina pesada do dilúvio avançando sólida sobre o mar, se aproximando, o vento uivando à frente com sirenes de batedores.
Aí as gotas chovendo de lado, na horizontal, galhos passando quebrados dançando doidos no vendaval, folhas, terra, lama, flores, cheiros, trovões de sacudir o peito e ribombar nos barrancos. A natureza violentamente em êxtase e nada no horizonte entre eu e ela para quebrar partir ou filtrar o seu gozo.
Amanhã começa tudo de novo, tem roda de samba com o pessoal da Portela - homenagem aos 110 anos de Paulo da Portela - no Bar do Paulão, que também é biblioteca e cineclube.