Palavras: Roberto da Matta
Como somos uma sociedade construída em cima da escravidão; da arrogância e da ignorância aristocrática e senhorial; do poder autoritário e revanchista que pensa primeiro nos nossos; da estadomania que tudo resolve, prevê e legaliza para justamente produzir o oposto, temos sido recorrentemente assombrados por fantasmas bem conhecidos. O maior deles é o da desonestidade governamental que cinde pela raiz o elo entre Estado e sociedade.
Nossas almas do outro mundo aparecem na televisão recebendo o fruto de seu vil trabalho: os pacotes de dinheiro vivo que, escondido na cueca, na meia ou em elegantes sacolinhas, têm o dom de revelar o estado geral da nobre arte de roubar o dinheiro público impunemente. Esse apanágio dos políticos brasileiros de todos os poderes e níveis. Que roubam planejadamente porque têm a mais absoluta certeza de que jamais serão punidos. Entremeados, porém, a esses fantasmas rotineiros surgem os dos desastres que causamos porque não conseguimos, apesar de todas as repúblicas e cidadanias, seguir nenhuma norma. A tragédia dos deslizamentos, que inaugura 2010 contando desaparecidos, é um exemplo flagrante da aplicação de um dos mais ofensivos slogans jamais inventados por um político e ex-prefeito: “É ilegal, e daí?” Esse “estou me lixando” para a lei porque ela é boa para ser escrita, mas não para ser honrada, confirma o nosso caminho hierárquico.
- Roberto DaMatta
"A coluna assombrada"