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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)


  • terça-feira, junho 01, 2004

    ESTE ANO EM MARIENBAD

    Vi esta semana Le Anee Derniere en Marienbad.
    É um filme que se presta a inumeras discussoes e teorias a respeito do que se passa ou se passou ou passaria em Marienbad.
    O interessante é que essa re-visáo 35 anos depois reforçou a teoria que elocubrei ao primeiro ver o filme, em cineclube mineiro, e que desenvolvi numa mesa de bar no Maleta e depois num jornal onde eventualmente escrevia coisinhas sobre cinema, o Diario de Minas.

    Mesmo considerando que é uma obra inteiramente aberta
    - imaginem o impacto disto em 1961 -
    onde nem o próprio Resnais tem certeza do que filma
    (ficou célebre uma declaraçao onde disse que como roteirista achava que aquilo náo tinha acontecido mas como diretor achava que tinha acontecido)
    o que ocorre no hotel em Marienbad para mim desenhou-se claro.

    E é claro que é uma leitura de cada um, no caso o meu de visor & vidente do filme
    mas na minha história esses hospedes
    e o triangulo do amante apaixonado, da mulher seduzida e do dono desta mulher
    vivem e revivem num mesmo espaço, o hotel,
    e num mesmo tempo, o veráo de um determinado ano.
    Dali náo saem e nem podem sair.

    A premissa de cada veráo é a mesma.
    Mas a cada veráo redivivo acontecem coisas diferentes.
    Ora o narrador conquista a mulher, ora náo, ora ele morre, ora náo, ora o marido ou seguranca da mulher descobre, ora náo
    e na narrativa fantástica do filme, no clima hipnótico de sonho,
    tudo isso é misturado sem que seja dito diretamente de qual ano passado
    ou presente está se falando
    a náo ser por poucos indicios visuais como o fato da mulher estar ora de branco, ora de preto, e tal.
    (Há um veráo - no filme o ultimo que aparece - em que se amam plenamente e tentam fugir dali e se perdem no labirinto do jardim e ele percebe que dali náo se sai.)


    Mas o que eu queria escrever neste texto náo é o que está acima
    e sim uma reflexao em cima do acima.
    Em nosso tempo, agora, ficou mais facil acompanhar o que se passa
    e, principalmente, explicar essa teoria para as outras pessoas
    porque nosso raciocinio - e modo de apreender a realidade - mudou.
    Tecnologica e semioticamente.

    E temos um vocabulário que acompanha este novo pensar.
    Agora posso dizer sobre o filme assim:
    é um pessoal que vive num sistema
    que sempre dá um reboot e volta ao comeco
    embora o programa carregue de maneira diferente.
    Aí dá um bug no programa que permite a uma dessas pessoas perceber que o reboot está acontecendo.

    (Isso pode ser até a historia central do filme: um dos personagens, por um defeito na maquinaçao, consegue se lembrar do que ocorreu em outros veróes, e se angustia ao tentar passar essas lembranças pelos outros que de nada se recordam.

    Ou - e isso só percebi agora - pode ser que essa memória residual faça parte do programa em si, que náo seja defeito e sim que ele tenha esse overlook desde o início.

    Outra diferença entre minhas leituras táo distantes no tempo: da primeira vez percebi dois veróes sendo reconstruidos simultaneamente em Marienbad - o desse ano e o do ano passado, o da mulher em branco e o da mulher em preto.
    Desta vez percebi os veróes infinitos, a vasta simultaniedade.)

    Enfim, posso dizer que a narraçao se processa em looping
    e que a açao é simultânea e pula de um tempo para outro como nós pulamos de um para outro das várias janelas abertas em nossa tela de computador.

    Em 1969 a referencia que eu tinha para exemplificar minha teoria era A Invençao de Morel (de Bioy Casares), com seus filmetes se repetindo infinitamente no jardim e o personagem acreditando serem reais tentando interagir com eles.

    Hoje tenho inumeras referencias, inclusive da cultura popular, como
    o Hotel Overlook (olha a palavra aí de novo)
    Matrix e até mesmo Groundhog Day.

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