REVISANDO PAULO FRANCIS

Nos idos de 1973, eu vagava pelo Rio, perdido, à procura de trampos, frustrado por ter deixado uma carreira promissora em MInas pelo glamour da Cidade Maravilhosa (!).
Ziraldo, com sua solidariedade mineira, e sabendo que eu fazia umas entrevistas meio diferentes, me chamou pra editar as entrevistas do célebre Pasquim, um jornal que reunia grandes nomes do humor e do jornalismo brasileiro.

Minha esposa na época, também jornalista, foi convidada pra ser revisora do jornal. Como ela teve um acidente e perdeu uma perna e os movimentos de andar, passando a viver numa cama de hospital, acabei assumindo também a revisão do Pasquim.

Era um trabalho sórdido. Não pelos textos mas pelo local e horário. Minha revisão era feita na boca da gráfica, com as provas num papel gosmento, marcando os erros com os signos esquisitos de revisor num predio antigo e imundo da Rua do Rezende (Lapa, Rio) e num horário que começava num escuro duas da manhã e terminava às seis ou sete horas do dia raiando.

Aquilo me deprimia muito, num momento depressivo de uma cidade estranha, de um corte por acidente nos planos de minha vida, além das paredes de chumbo e céu acinzentado por uma ditadura que matava e marcava as pessoas à minha volta.

As pessoas na gráfica eram grossas e o cheiro da impressão e das colas de borracha impestavam as noites que eu varava lendo com sono textos e textos e entrevistas e artigos e piadas e dicas e marcando e revisando e consertando não podendo deixar passar nada.

Porque de cara me apavoravam com os esporros constantes tomados pelos revisores daquelas estrelas do contrajornalismo. Principalmente do Paulo Francis, que abominava a ralé dos revisores e escarnecia dos coitados que ousassem marcar o seu texto.

Pois logo com o Francis tive um dos melhores relacionamentos enquanto revisor (na medida em que alguem recem-chegado à patota pudesse ter algum relacionamento com alguém tão arrogante quanto PF). Para ele foi uma grata surpresa ter um revisor que não só sabia do que ele estava escrevendo como discutia com ele seus artigos. Surpresa ainda maior por eu ser na época um rapazote cabeludo e com pintas de ripongo alienado.

Mas ele não admitia que se mexesse no seu texto. E ficava extremamente irritado se alguem ousasse apontar algum erro na sua articulação. Em duas ocasiões cheguei a alterar, pelo bem do artigo, falhas suas - não gramaticais pois escrevia e digitava de forma excelente - mas factuais.
Me parece que uma era a data de uma batalha na II Guerra Mundial
e outra era o nome de alguem que fazia uma citação
(não lembro se o nome estava escrito errado ou se ele confundiu mesmo as pessoas).

Paulo Francis ficou muito puto!!
Acontecera uma mudança no seu sagrado texto e depois o fato ainda se repetiu!
Eu provei a ele, com referencias em livros, que o revisor estava certo
- salvando-o de micos, pois os leitores do Pasquim eram atentos,
e principalmente no caso do Francis adoravam polêmicas por picuinhas -
mas jamais deu o braço a torcer e literalmente bufava ao ser abordado sobre isso.

Com pouco tempo cansei de pegar onibus noturnos e de conviver com a tensão dos textos de erros em cima de fechamentos urgentes. Era genial ler aquilo em primeira mão, mas preferi ver tudo de dia, chegando à redação, datilografado nas pautas com o nome Pasquim no alto. E eu já brilhava com as entrevistas, não precisava segurar a vaga de revisor, Wilma (minha esposa) levaria ainda anos pra voltar a andar e ter um emprego desse tipo.

Fiz bem. Logo depois viria a censura prévia e a revisão do Pasquim ficaria mais alucinante ainda. Textos iam e voltavam de Rio-Brasilia-Rio, materias caiam em cima da hora de rodar a edição, escrevia-se tres ou mais jornais para tentar ter um aprovado, e os revisores tinham que atentar para, além de erros de concordancia, falhas na desconcordâncias que poderiam levar a prisoes/apreensoes no/do Pasca.

Passados alguns anos eu voltaria a trabalhar na Rua do Rezende, mas na outra ponta, perto do serviço de saude, num ambiente bem mais animado.
Ali existia o MAD e outras revistas
na editora comandada pela italianada da família Vecchi.
Mas essa é outra história, do tempo do Ota.