A m�o que desenha por Nina
Eduardo Souza Lima

Os quadrinhos s�o a vida de Louren�o Mutarelli, artista paulistano de 40 anos, e isso n�o � mera figura de linguagem. S�o deles que tira, quase que exclusivamente, o seu sustento desde 1991, quando lan�ou o seu primeiro �lbum, �Transubstancia��o�. E � dela de onde vem grande parte da mat�ria-prima de seu trabalho. Em seu �ltimo �lbum, �Mundo Pet�, rec�m-lan�ado pela editora Devir, por exemplo, ele � o protagonista de �Estampa forjada�, e em �Dor ancestral�, ele relata os v�rios casos de esquizofrenia em sua fam�lia. Chamar sua obra de visceral n�o � mais um lugar-comum: Mutarelli �se oferece em sacrif�cio, abre as feridas�, como escreve sua mulher, Lucimar, no pref�cio do livro.

Livro do artista ser� adaptado para o cinema

Em 2002, por�m, ele encontrou novas formas de express�o, ao descobrir a literatura e ao ser descoberto pelo cinema. Naquele ano, ele lan�ou seu primeiro romance, �O cheiro do ralo� (Devir), e foi convidado pelo cineasta Heitor Dhalia para dar forma aos del�rios da personagem-t�tulo de �Nina�, filme inspirado no romance �Crime e castigo�, de Dostoi�vski, em cartaz no Rio. Nina (vivida por Guta Stresser), uma jovem atormentada, mant�m um di�rio onde escreve e desenha suas inquieta��es. E, pela primeira vez, Mutarelli desenhou como se fosse outra pessoa.

� Fui dirigido pelo Heitor � conta. � Eu tinha uma edi��o ilustrada dos anos 50 do livro e a partir dela fizemos uma pesquisa do imagin�rio da personagem, at� chegar ao meu tra�o. � engra�ado, pois, quando trabalho com ilustra��es, nunca sai o meu tra�o.

Dhalia � um diretor meticuloso e havia um storyboard detalhado a ser seguido. Ainda assim, Mutarelli conseguiu impor sua personalidade no filme, assumindo a de Nina:

� Incorporei a personagem. Al�m de desenhar, escrevi textos em seu di�rio. N�o sei trabalhar sem mergulhar fundo. E o Heitor fez quest�o que eu estivesse no set durante as filmagens.

A parceria entre o diretor e Mutarelli apenas come�ou em �Nina�: o diretor vai adaptar �O cheiro do ralo� para o cinema.

� O Heitor j� fez o primeiro tratamento com o Mar�al Aquino (co-roteirista de �Nina�) e quer que eu trabalhe no novo tratamento, que ele vai fazer sozinho. Mas, na verdade, acho mais saud�vel ficar mais de fora. O Heitor tem uma vis�o do filme totalmente diferente da minha.

O cineasta tamb�m levou Mutarelli a escrever um novo romance, �Jesus Kid�, que sai ainda este m�s, pela Devir, e que deveria ser um roteiro de cinema:

� �Jesus Kid� nasceu da id�ia do Heitor para um filme de baixo or�amento, meio �Barton Fink�, meio John Fante, sobre um escritor atormentado trancado num hotel. � o meu primeiro livro com final feliz (risos) . Mas preferi escrever o romance para que dele o Heitor fizesse o que achasse melhor. N�o gosto de escrever roteiros. A parte t�cnica � muito fria, did�tica, afasta-me das emo��es.

E, embora seus desenhos tenham sido animados em �Nina�, Mutarelli tamb�m n�o se sente atra�do pela anima��o:

� Prefiro os quadrinhos, pois neles s�o os leitores que evocam os movimentos. Cheguei a trabalhar nos est�dios do Maur�cio de Souza, mas s� desenhava os cen�rios de fundo. Fui eu quem sugeriu que os desenhos fossem quase desanimados em �Nina�, como aquelas antigas anima��es da Marvel. Minha maior preocupa��o era com a unidade do filme.

O segundo romance do quadrinista, �O natimorto�, foi lan�ado esta semana, via editora DBA. E Mutarelli se prepara para estrear tamb�m no teatro. O artista foi convidado pela Cia. da Mentira, grupo originado do CPT de Antunes Filho, para escrever uma pe�a, �O que voc� foi quando era crian�a?�, que entra em cartaz em S�o Paulo no come�o do ano que vem.

� Escrevi a pe�a quase em parceria. Eles pediram elementos que gostam em meu trabalho e eu sugeri um argumento. Eles improvisaram e eu escrevi um novo texto.

�Mundo Pet� � o primeiro trabalho colorido de Mutarelli, uma colet�nea de hist�rias curtas criadas para o site de quadrinhos CyberComix. Nelas, o desenhista p�de exercitar seu humor e v�rios estilos: �D�i story�, por exemplo, foi feita totalmente em computador; e �Dossi� stick note�, em stick notes , esses bloquinhos amarelos de recados um pouco maiores que os post-its . � o nono �lbum de Mutarelli � entre eles a obra-prima �A trilogia do detetive Diomedes�, formada por �O dobro de cinco�, �O rei do ponto� e �A soma de tudo�, que saiu em dois volumes � que agora trabalha em �A caixa de areia�. Mas ele deve se afastar cada vez mais dos quadrinhos:

� Quero fazer livros de gente grande, sem desenhos � brinca. � Quando escrevo um roteiro de quadrinhos, levo dez meses para desenhar cem p�ginas. A �Trilogia� me consumiu cinco anos de vida e pouca gente a entendeu. O livro, eu termino e pronto. � engra�ado como tenho sido tratado como gente grande agora. Est�o at� me chamando de senhor!