H� poucas semanas, a diretora Marisa Furtado falou com Will Eisner. O cartunista pedia que ela enviasse pelo correio uma foto com a filha rec�m-nascida, Cora. Queria botar na geladeira, ao lado de outras imagens de parentes e amigos. Marisa contou a vida do criador do detetive Denny Colt, o Spirit � um dos personagens de quadrinhos mais cultuados em todo o mundo � na s�rie de tr�s document�rios �Will Eisner: profiss�o cartunista�. E estava preparando a carta com a foto da pimpolha quando recebeu a not�cia da morte de Eisner. Ele tinha 87 anos e deixa uma das obras mais consistentes e sombrias do mundo dos quadrinhos. Um contraste com sua personalidade generosa e solar.
� Ele era luminoso, as melhores piadas eram dele � lembra Marisa. � Quando veio ao Brasil pela primeira vez, fez quest�o de ir a um barzinho-poeira em Copacabana, onde eu tinha feito um mural com personagens de quadrinhos. Fez um desenho no livro de assinaturas e chamou aquilo de �Minha Capela Sistina�.
Bi�grafo manda boletins semanais sobre o cartunista
H� muito a saber sobre Eisner, criador de obras-primas como �O edif�cio� e �Um contrato com Deus�. Ainda este ano, a Companhia das Letras publica as obras in�ditas �The plot�, libelo contra o anti-semitismo, e �Fagin, the jew�, adapta��o de �Oliver Twist�. A Devir vai traduzir o livro te�rico �Graphic story telling�, que vir� com o DVD de�Masterclass�, um dos document�rios de Marisa. Nos Estados Unidos, Bob Andelman vai lan�ar a biografia do cartunista, fruto de tr�s anos de pesquisas e que rendia boletins semanais enviados pela internet. No �ltimo, a not�cia da morte.
Em 1954, o psiquiatra Frederick Werthan lan�ou o livro �A dedu��o dos inocentes�, que fez muito sucesso ao atribuir �s hist�rias em quadrinhos desvios no comportamento infantil. Um dos exemplos citados por Werthan era o da suposta homossexualidade de Batman e Robin, fama que persegue a dupla din�mica at� hoje. Ap�s 50 anos, os quadrinhos s�o adaptados pelo cinema (�Homem-Aranha� e �X-Men�) ou usados como instrumento de narrativa (em �Nina� ou em �Kill Bill�). Art Spiegelman ganhou um Pulitzer contando como seu pai sobreviveu ao Holocausto, desenhando judeus como ratos e nazistas como gatos em �Maus�; Joe Sacco usa quadrinhos para fazer reportagens.
Boa parte desta mudan�a de atitude em rela��o aos quadrinhos pode ser atribu�da a Eisner. Al�m de fic��es como �Spirit�, ele escreveu o cl�ssico �Arte seq�encial�. Nele, tentou mostrar que o g�nero era uma arte digna de respeito, com uma linguagem pr�pria.
Eisner usava ingredientes de outras formas art�sticas � dos ambientes sombrios dos filmes policiais e do cinema expressionista alem�o ao humor de Tchecov. Mas ele criou uma narrativa pr�pria, na qual muitas vezes um grande quadro era usado para contar a hist�ria, com a ajuda do texto, o t�tulo da hist�ria ajudava a formar o cen�rio, por exemplo. � Ele tentou vender a id�ia de �Um contrato com Deus� para uma editora de livros, e por isso usou o termo graphic novel, e n�o quadrinhos � conta o designer Aristides Dutra, mestre em Comunica��o pela UFRJ com uma tese sobre Joe Sacco.
Eisner abriu espa�o para mais hist�rias para adultos e autores como Alan Moore, Neil Gaiman e Frank Miller. Autores que, como ele, transformariam-se em cl�ssicos.
Daniela Name & Gustavo Alves (O Globo, 08/01/2005)