JANIO DE FREITAS

Dossiê do caso dossiê


A historiada do dossiê exibe várias esquisitices do lado do PT, mas o lado investigatório não fica atrás nas estranhezas

A HISTORIADA DO DOSSIÊ já se insinua ser mais uma daquelas que nunca se saberá como de fato se construíram. Sua predecessora eleitoral, esquecida para tranqüilidade de muita gente, inclusive em certos meios de comunicação, foi o sequestro de Abílio Diniz com a prisão, pelo pessoal de Romeu Tuma, de seqüestradores vestindo camisetas novinhas da campanha de Lula -na véspera da eleição. A historiada do dossiê exibe várias esquisitices do lado petista, a começar da origem inexplicada do dinheiro, mas o lado investigatório não fica atrás na oferta de estranhezas.

Pela primeira vez nos seus mais de 40 anos a Polícia Federal adquiriu, com sua atividade nos últimos três anos e meio, o direito pleno de ser chamada de polícia e de federal. Mas não está isenta da possibilidade, sempre aberta, de ocorrências indesejáveis à sua reputação. Aos fatos já havidos nesse sentido, desde o surgimento do caso dossiê, agora juntaram-se outros merecedores de mais atenção do que receberam.

O esclarecimento de um equívoco jornalístico, a propósito de (inexistente) prioridade para a TV Globo na exibição da dinheirada, levou à publicação de um trecho do diálogo entre o delegado PF Edmilson Bruno e vários repórteres. Antes protegido por sigilo de fonte, o diálogo comprova a exigência do policial de que as fotos, tiradas e distribuídas por ele em irregularidade disciplinar, não ficassem para exibição no dia seguinte, pelos jornais e telejornais. "Tem que sair hoje (...) tem que entrar no jornal [de TV] logo no primeiro horário da noite", insiste Edmilson Bruno, em exigência repetida, com ansiedade, muitas vezes.

"A noite de hoje" era a de sexta-feira 29 de setembro, antevéspera do primeiro turno. As fotos explodiriam na noite de sexta para ecoar ao longo do sábado, pelos jornais e ainda pela TV. Como ocorreu. A programação, exigida com tanto empenho, não pode explicar-se por motivação policial do delegado Edmilson Bruno, hoje acusado pelo ex-colega Gedimar Passos, por ele preso com a dinheirada, de propor liberá-lo em troca da citação de um nome (o nome foi "Froud ou Freud", o Freud Godoy secretário particular de Lula).
A sensação do caso vem, agora, de uma revelação do superintendente da PF em Mato Grosso e outra do encarregado do inquérito, delegados Daniel Lorenz e Diógenes Curado. Pelo primeiro soube-se que o cruzamento de 800 telefonemas envolveu, entre os maiorais do caso, "uma pessoa muito famosa". O que mais? Nada. Nenhuma indicação integrando ou, ao menos, aproximando o telefonema da trama com o dossiê? Não. E quem seria essa "pessoa muito famosa" senão José Dirceu? Se Dirceu tem a ver com o caso, os delegados que busquem prová-lo. Mas lançar no caso qualquer nome por retornar, durante dois minutos, um telefonema com pedido de retorno, é ação de um gênero que nada tem de ação policial. Felizes dos petistas, atuais ou ex, e dos amigos de Jorge Lorenzetti que não lhe telefonaram antes do caso nem para saber como ia.

O delegado Curado, por sua vez, deu a formidável informação da "origem criminosa do numerário". "Uma parcela" já identificada: o jogo do bicho. De R$ 1.750.000, agora falta explicar só R$ 1.745.000. "Origem criminosa" do dinheiro, diz o relatório à Justiça, "por uma lógica simples": se legal, "o dono já teria vindo reclamá-lo". Outra lógica simples recomenda nem comentar tal dedução. Já para a origem no jogo do bicho, depende de uma bobina de papel apreendida com o bicheiro Turcão, para comparação com o invólucro de dois maços de dinheiro apreendido. Como não consta fabricação de papel só para Turcão, aí está outro caso de "lógica simples" mas não tanto policial. E ainda ocorre que os pontos de bicho, dos quais proviriam os maços, não são reconhecidos pela polícia como de Turcão.

E ainda há a promessa de que tudo fique esclarecido nesta semana.